25 de julho de 2011

DO ESTADO DE NATUREZA AO ESTADO DE SOCIEDADE CIVIL
Viviane de Freitas Cunha

INTRODUÇÃO
Este artigo tem por finalidade mostrar nosso entendimento a partir do que foi apresentado na cadeira de Ciência Política, Estado e Constituição com o Professor Alexandre Costi Pandolfo, no primeiro semestre de 2011. Este trabalho é resultado, portanto, da socialização das leituras do referido professor para conosco, enquanto seus alunos, iniciantes do curso de Direito.
A disciplina de Ciência Política, a nosso ver, tem por objetivo estudar e analisar as formas de organização política da sociedade, e como essas formas vêm se modificando através dos tempos. E, neste contexto, é imprescindível a aparição de conceitos como o de disciplina, poder, soberania, Estado, etc., bem como os seus contrários – ou a não existência desses conceitos.
Para atender à proposta de realizar este trabalho faz-se necessário que comecemos por tempos muito passados, tempo em que surgiram os primeiros teóricos a discursar sobre organização política e surgimento do Estado. Neste trabalho, traremos as teorias de dois grandes – dentre os muitos – estudiosos das formas de organização política da sociedade. São eles: Thomas Hobbes e Jacques Rousseau. Comecemos, então, pelo começo, pelo estado de natureza.

O ESTADO DE NATUREZA
Para iniciar o desenvolvimento do trabalho, é necessário que nos remontemos a um tempo anterior ao de sociedade civil, um tempo que os teóricos denominaram de estado de natureza, grosso modo, estado de indisciplina. Nesse estado, os indivíduos existem de maneira isolada, sem famílias, sem tribos ou cidades e, logicamente, sem leis e, portanto, em constantes guerras em favor da autodefesa.
A isso, Thomas Hobbes (escrevendo no século XVII) chamou de guerra de todos contra todos e afirmou que o homem seria o lobo do próprio homem. Dessa forma, o que podemos pensar que ocorria num lugar sem qualquer lei é uma verdadeira situação de barbárie (do ponto de vista moderno). Não há garantia de direitos, a única lei vigente é a do mais forte.
Por outro lado, o “mais forte” vive igualmente tão inseguro quanto qualquer outro homem “mais fraco”, uma vez que este pode usar de quaisquer meios para atingir aquele e, além disso, pode usar a inteligência – ou a esperteza – para superá-lo. Surgiram as armas, surgiram as cercas, com o objetivo de obter segurança e manter terras próprias. No entanto, enquanto não houvesse acordo entre os homens, cada um poderia tomar o que fosse do outro, usando sua força. Seria esta também uma forma de acordo? Isto é, a lei do mais forte também era legitimada?

O PACTO SOCIAL
Sabendo que cada homem possuía uma força e que essa força individual não poderia superar todas as outras (também individuais), seria inevitável pensar no poder que poderia alcançar uma força coletiva, uma vez que viver em constante ameaça já não era mais possível.
E o homem, sentindo esta ameaça e, principalmente, sentindo que a posse não é reconhecida, parece ver vantagem na união com seus semelhantes. A essa união, em prol da segurança, da paz e também da propriedade privada, os teóricos contratualistas chamam de pacto social. Sobre Hobbes, então, o importante é destacar que suas teorias mostram o homem compactuando em favor da autodefesa. Para este teórico, o medo da morte violenta impera.
Outro teórico a enunciar o estado de natureza, já no século XVIII, foi Jacques Rousseau. Da mesma maneira como aponta Hobbes, para Rousseau, o estado de natureza também é caracterizado pelo isolamento. O homem sobrevive da coleta e é bom por natureza. Este estado deixa de existir, segundo o autor, quando a primeira cerca é fincada e alguém diz que a terra é sua. Esta disputa pelo “meu” acaba sendo o berço da sociedade.
A teoria de Rousseau vai de encontro à de Hobbes, visto que este acreditava que, no seu estado natural, o homem vivia em permanente guerra com seu semelhante, ao passo que aquele acredita na paz. O estado de guerra constante viria a ocorrer, no entanto, mais tarde, com o surgimento das cercas sobre a terra.
Carnoy (1990) apud Rousseau explica:
O primeiro homem que, após cercar um pedaço de terra, se lembrou de dizer: isto é meu, e encontrou pessoas simples o bastante para acreditarem nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, quantas guerras, quantos assassinatos, quantas desgraças e horrores teria poupado para a espécie humana aquele que, arrancando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: guardai-vos de ouvir esse impostor; estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos da terra pertencem igualmente a todos nós, e de que a própria terra é de ninguém. (p. 31)

POLÍTICA E SOBERANIA
A partir do visto até aqui, parece-nos que os indivíduos dividiam-se em duas classes: os opressores (fortes) e os oprimidos (fracos). Para que essa condição cessasse, fazia-se necessário o uso de um poder legítimo e eficiente. Nasce o poder político e as leis.
Sabemos que os indivíduos conheciam a necessidade de leis, no entanto, quem as aplicaria? Os teóricos explicam: quando os homens celebram o contrato social significa que eles aceitam renunciar a sua liberdade natural e as suas armas e, logicamente, aceitam transferir seus direitos a uma autoridade política. Por fim, o pacto social faz nascer a soberania.
[...] há uma tensão entre preservar a liberdade vantajosa do estado de natureza e o medo da violência e da guerra, que logicamente esse estado produz. Isso leva à renúncia do indivíduo em favor de um soberano [...]. Esse soberano (um indivíduo ou grupo de homens) reduziria todos os súditos à impotência. (Carnoy, 1990, p. 26)
Se o povo transfere seus direitos naturais a essa autoridade política, de acordo com a vontade geral, é correto afirmarmos que o poder político instalado é legitimado e a consequência disso é a eficácia do pacto. A questão que surge em seguida é: O soberano tem poder sobre o povo ou o soberano só tem o poder que lhe confere o povo?
Poderia a multidão de indivíduos, um tempo após compactuar, desistir do pacto e exigir novamente sua condição natural, ignorar as leis, destituir o soberano e exigir que nenhum outro ocupasse tal lugar? Ainda que seja difícil imaginar que isso viesse a acontecer, é uma questão que poderia ajudar a responder a anterior.


O ESTADO
Para Hobbes, o Estado formou-se com essa renúncia de direitos naturais, ou seja, com a renúncia do poder individual e com o objetivo primeiro de alcançar a paz civil. Os estudos de Hobbes o levaram a acreditar que cada indivíduo era impotente contra o soberano, uma vez que o soberano, Leviatã, era formado pelo todo da sociedade compactuante, o indivíduo não tinha poder, mas a coletividade sim.
Por outro lado, Rousseau via o Estado como uma criação dos poderosos, cujos objetivos eram os de garantir a ordem, defender seus interesses e, através de direitos legítimos, explorar os mais pobres.
[...] ‘Vamos nos unir’, disse-lhes o rico, ‘para proteger o fraco da opressão, refrear os ambiciosos, e garantir a todo homem a posse do que lhe pertence’... Alegremente todos ofereceram seus pescoços ao jugo, pensando que estavam protegendo sua liberdade; embora tivessem inteligência suficiente para perceber as vantagens de uma constituição política, não tinham experiência suficiente para ver de antemão os perigos disso. Aqueles dentre eles que estavam mais bem qualificados para prever os abusos eram exatamente os que esperavam beneficiar-se dele. (Carnoy, 1990 apud Rousseau. P. 32)
Com o Estado (da concepção rousseauniana) instalado e com as leis dos ricos vigorando fica evidente que ele só nasceu com uma prioridade: assegurar a posição da classe dominante.
Os teóricos contratualistas concordam em dizer que o indivíduo que não compactua é considerado um ser marginal, é excluído e por que não dizer, é um bárbaro. Se o objetivo da criação do Estado político é garantir a ordem, quer tenha ou não sido o conceito de ordem algo criado ou definido pelos próprios poderosos, é justo que sejamos levados a pensar que, por exemplo, a manutenção da ordem seja refrear os mais pobres para que não tentem buscar seus direitos, especialmente se pensamos em propriedade privada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante esclarecer que, neste trabalho, não cabem conclusões. Não cabe, igualmente, dizer opiniões. O que cabe é apresentar as teorias dos estudiosos, ver suas linhas de estudo, a maneira diferente de observar o mesmo objeto como, por exemplo, o homem ser bom ou mau por natureza ou ainda, se o Estado surgiu para garantir a paz entre os homens ou simplesmente para proteger a propriedade privada.
Temos que a concordata que uniu a multidão de indivíduos através da troca dos direitos naturais pelos direitos civis foi chamada de pacto, de contrato, no entanto, é importante deixar claro que estes termos são convenções, imaginamos que porque envolva aceitação das partes, como no contrato tal como conhecemos atualmente. Se o pacto foi eficiente? Poderíamos arriscar afirmar que sim, se pensarmos que o objetivo a ser alcançado pelos indivíduos era a proteção. No entanto, quanto a afirmar que todos foram protegidos da mesma forma, já não arriscamos.
Enquanto estudantes recentemente iniciados no estudo do Direito, acreditamos que este estudo é imprescindível, no que se refere a importância de conhecer as primeiras formas de organização política da sociedade, o que levou a criação das leis e dos direitos, no momento em que se faziam necessários pela primeira vez.

REFERÊNCIAS
CARNOY, Martin. Estado e teoria política. Capítulo 1 – O Estado e o pensamento político norte americano. – 3. ed. – Campinas, SP: Papirus, 1990. p. 21-61
O contrato social, em http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf, formato eBook, acesso em 14/07/2011.

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