Trabalho realizado para cumprimento de tarefa da disciplina de Filosofia Geral - 3º bimestre, do 1º ano do curso de Direito da FURG
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Referência: DESCARTES, Rene. Discurso do método para bem dirigir a própria razão e buscar a verdade nas ciências. São Paulo: Martin Claret, 2000.
Resenha do Discurso do método, de Rene Descartes.
Viviane de Freitas Cunha
“O bom senso, é das coisas do mundo, a mais bem dividida, pois cada qual acredita estar tão bem dotado dele que, mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa, não costumam desejar tê-lo mais do que já o têm.” (DESCARTES 2000, p.21)
Este discurso, conforme o titulo já faz referência, é o conhecimento de Descartes compartilhado conosco, no que tange à utilização do bom senso – ou boa razão. Nele, Descartes procurou, fundamentalmente, estabelecer uma maneira pela qual pudéssemos chegar a um conhecimento seguro. Esse modo é conhecido por dúvida metódica.
Logo no início da obra o leitor é advertido: pode dividir o discurso em seis partes, no caso de acha-lo longo demais. A presente resenha se refere às quatro primeiras partes do referido discurso. Na primeira, encontramos considerações sobre as ciências; na segunda, as regras do método; na terceira, regras da moral e, na quarta, razões para compreender a existência de Deus e da alma humana. Observemos cada uma dessas quatro partes.
A primeira parte inicia tratando do senso, como sinônimo de razão, mais especificamente do bom senso que cada indivíduo julga ter. Descartes diz que a certeza de ter um bom senso é muito forte, inclusive nos indivíduos mais insatisfeitos. Realmente, acreditamos saber discernir entre o falso e o verdadeiro, da mesma forma que cada um dos demais sujeitos.
Acreditamos que Descartes tenha iniciado seu discurso com essa explicação para introduzir o que viria a seguir: o propósito de seu método. Diz o autor: “[...] não é meu propósito ensinar aqui o método que cada indivíduo deveria seguir para bem conduzir a sua razão, mas apenas mostrar de que maneira procurei guiar a minha” (p.22). Assim, percebemos que Descartes não procura nos impor seu “senso”, sua razão, mas compartilha-la conosco para que, se a julgamos tão válida quanto o é para seu criador, façamos uso dela, afinal, conforme salienta no título, é um discurso para dirigir a razão e buscar a verdade.
Descartes afirma que o único “proveito” tirado das letras foi o de descobrir cada vez mais sua ignorância. Parece contraditório, a princípio, no entanto, não é. Se as instruções recebidas ao longo de toda a vida o fizeram perceber como eram abarrotadas de erros e dúvidas, então, perceber isso abriria uma nova passagem e esta o conduziria para um caminho mais próximo de verdades e mais distante dos erros. No entanto, conhecer o máximo de todas as ciências é conveniente, uma vez que examinar é o primeiro passo para conhecer o justo valor de cada um e não correr o risco de deixar-se enganar por elas.
Na segunda parte, Descartes nos apresenta seu método. A preocupação de Descartes era que pudéssemos chegar a um conhecimento garantido, livre de erros e falsidades, para tanto, recorreu ao método da dúvida. Duvidar de todas as coisas é o primeiro passo para não se deixar enganar por elas. Corremos grandes riscos de nos enganarmos se tomamos, de súbito, por verdadeiras todas as coisas que nos ensinam.
Esse método que, segundo o autor, é tomado da melhor parte da geometria e da álgebra e pode ser “aplicado tão utilmente às dificuldades das outras ciências, como fizera com as da álgebra” (p.33). O método consiste em quatro preceitos. O primeiro deles é evitar a precipitação, ou seja, não tomar por certas as coisas que não sejam evidentemente verdadeiras. Mais especificamente, só aceitar como verdadeiro as coisas as quais não haja menor possibilidade de duvidar.
O segundo preceito consistia em dividir as dificuldades. Essa técnica de decompor, que funciona tão bem na matemática, Descartes traz para o pensamento, ou mais certamente, para as dificuldades do pensamento em saber se algo é falso ou verdadeiro. Dessa forma, o problema pode deve ser repartido em tantas partes quanto possíveis para melhor resolvê-lo. O terceiro preceito – que parece estar intimamente relacionado com o segundo, uma vez que á mais fácil ordenar o que está dividido – consiste em pôr os pensamentos em uma ordem que vai desde o mais simples até o mais complexo.
Se optamos por duvidar, se decompusemos as dificuldades e se as ordenamos conforme o grau de complexidade, para chegar ao verdadeiro, só falta o quarto e último preceito: rever e enumerar para assegurar-se de não haver esquecido nada.
Segundo Descartes,
“Estas longas cadeias de razões, simples e fáceis, das quais os geômetras costumam se servir para chegar às mais difíceis demonstrações, deram-me ocasião de imaginar que todas as coisas que podem penetrar na consciência dos homens seguem umas às outras da mesma maneira” (p.32)
Os preceitos parecem estar diretamente relacionados com o discurso do bom senso da primeira parte, visto que Descartes afirma que somos todos dotados igualmente de razão, no entanto, não chegamos às mesmas opiniões. Por que isso ocorre? A resposta do autor é que isso acontece porque não utilizamos um método adequado, e o mesmo método. Assim, está claro que, para o filósofo, a Razão possibilita o conhecimento. Por outro lado, descarta as possibilidades de haver qualquer conhecimento seguro a partir do sensível.
É importante destacar, ainda, que esse sistema de dúvida metódica não é empregado para simplesmente negar todas as coisas, mas para, justamente através da dúvida, chegar ao verdadeiro. Diz ele: “não imitava, para tanto, os céticos, que só duvidam por duvidar [...], todo meu intuito tendia a me certificar, a afastar a terra movediça e a areia para descobrir a rocha ou a argila” (p. 39)
Na terceira parte do discurso, o filósofo apresenta-nos sua moral provisória, a qual consiste em algumas máximas, resumidas a seguir:
Obedecer às leis e aos costumes de seu país, orientando-se pelas opiniões mais moderadas, que mais o afastassem do excesso, pois, como afirma: “todo excesso em geral é mau” (p.36); ser o mais firme em suas ações, e seguir as opiniões mais duvidosas com o mesmo afinco do que se fossem seguras; a terceira máxima se refere à crença no poder do pensamento, em procurar modificar antes os desejos do que a ordem do mundo, para que pudesse evitar o desejo num futuro inalcançável e, assim, sentir-se satisfeito. A quarta máxima consiste em julgar o melhor possível para fazer o melhor possível.
Por fim, a quarta parte do discurso contém o que não é mera proposição, mas certeza. Certeza essa que, segundo o autor, nem “era tão certa e tão firme que nem mesmo as mais extravagantes suposições dos céticos poderiam abalá-la” (p. 41). Esta é a verdade: cogito, ergo sum, e também o primeiro princípio da filosofia que Descartes buscava, uma vez que era a garantia da certeza de algo. Eu penso, logo, eu existo: não há qualquer questionamento que possa negá-lo, afinal, se podemos pensar, necessariamente existimos.
O Discurso do método é, sem dúvida, um expoente máximo da arte de Descartes. É, por que não dizer, um interesse compartilhado de valia moderna, que se manteve desde o período medieval. Recomendamos a obra a todos os amantes da Filosofia e dos bons textos, e garantimos que o leitor não sairá do texto sem, ao menos, uma certeza: a de que duvidar da verdade comum é também um caminho para encontrá-la plena.
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