19 de maio de 2011

 A subalternização das colônias, enquanto buscadoras de suas identidades: À margem da alteridade

 Introdução
Este trabalho pretende resumir as investigações de Santos (2006) acerca do colonialismo e do pós-colonialismo, bem como dos processos identitários da língua portuguesa. Assim, este autor lança hipóteses a partir de questões que ele próprio vai propondo. Através das respostas, vai dando continuidade à sua linha de raciocínio.
Santos parece nos provocar no texto, nos deixando desconfortáveis e nos levando a supor que a colônia de um país outrora colonizado sempre será marginalizada, por portar uma herança híbrida.
Não ser mais uma colônia, mas também não ser ainda uma nação (pois  não tem uma cultura homogênea) implica em dizer que este país está em um entre-lugar, ou seja, sente-se dentro e fora da Europa ao mesmo tempo. E se Portugal não estivesse nesse “entre-lugar”, ele estaria no centro ou na periferia?

O colonialismo português
Como se sabe, povos americanos, asiáticos e africanos influenciaram no processo da formação da identidade da língua portuguesa, além dos próprios portugueses. Sendo Portugal considerado um país semiperiférico, somos levados a crer que, na qualidade de colonizador, só poderá gerar uma colônia subalterna – já que não é capaz de colonizar como os países centrais, por ser considerado um país estagnado no intervalo entre o centro e a periferia. Além disso, seu poder capitalista moderno foi sempre mais colonial do que capitalista. Dizer que o fim do colonialismo europeu determinou o fim do colonialismo social seria mentir. Afinal, as heranças do colonizador impregnam o colonizado.
Se as regras internas que regem a UE produzissem hierarquias como as do sistema mundial, que define os países como, periféricos semiperiféricos e centrais, em que posição Portugal estaria? Com a globalização, essas hierarquias nacionais foram destruídas, e mais ainda as hierarquias entre países. Dessa forma, ainda tem-se uma hierarquia rígida, só que, agora, vê-se uma global. Quando sobrepostas, se interferem reciprocamente, gerando as desigualdades mundiais.
O papel do Estado deveria ser o de fazer diferenciação entre a cultura do território nacional da cultura do exterior, promovendo a da cultura nacional. No entanto, como o Estado não foi eficaz nisso, a cultura portuguesa sempre teve dificuldade de se diferenciar de outras culturas, mantendo-se internamente heterogêneo.

O pós-colonialismo português
Enquanto o Império britânico conseguiu um equilíbrio entre colonialismo e capitalismo, Portugal assentou um desequilíbrio, devido a dívidas e acordos internacionais desiguais, passando a qualidade de uma “colônia informal da Inglaterra”. Assim, pode-se dizer que o colonialismo periférico português, em relação ao colonialismo hegemônico da Inglaterra, é subalterno. Para confirmar essa subalternidade, tem-se o fato de que a história do colonialismo português foi escrita em inglês em vez de no português.
A dificuldade é a da se ser específico (assumir uma postura diversa da norma geral) em relação ao colonialismo hegemônico. Mas em que medida esse problema do português colonizado interfere no colonizador português? Poderia se dizer que o resultado será um duplo problema de auto-representação? A colônia de um colonizador subalterno deve ser enquadrada em subcolônia ou sobrecolônia?
A grande assimetria entre o colonialismo inglês e o português foi o fato de os ingleses não terem de romper com um passado descoincidente do seu presente, já que eles próprios impunham a normatividade do sistema mundial.
O pós-colonialismo dever ser entendido sobre o ponto de vista histórico, que sucede à independência das colônias, mas também numa acepção, culturalista, lingüística e literária de um conjunto de práticas e discursos que desconstroem a narrativa escrita pelo colonizador e a substituem pela escrita do colonizado. Para isso, se faz necessária a presença do crítico pós-colonial que interrompa eficazmente os discursos hegemônicos, ou seja, esse crítico pós-colonial teria de contribuir para a destruição da subalternidade, ou seja, a retirada da condição de silenciados.
Embora a teoria pós-colonial tenha procurado sempre impor sus oposições binárias (nós/outros, centro/periferia, civilizado/selvagem), ela insiste em reorientar o globo à volta de uma única oposição: colonial/pós-colonial.
Uma diferença entre o pós-colonialismo português e o pós-colonialismo de língua oficial portuguesa reside na questão racial. Ao mesmo tempo em que os portugueses proclamavam a miscigenação como um triunfo humanista, os europeus a viam como forma de racismo, pois as regras sexistas da sexualidade sempre associam o homem branco à mulher negra e não o contrário. Temos assim, coexistindo com a discriminação racial, a discriminação sexual.

Hibridização: Próspero e Caliban
Enquanto o discurso colonial construiu uma oposição entre Próspero (o colonizador e, por isso, civilizado) e Caliban (o colonizado e, por isso, selvagem), o pós-colonialismo evidencia que estes dois não são independentes, já que têm um vínculo dialeticamente destrutivo e criativo. A construção da diferença (sobretudo, racial e sexual) exigiu a criação de um estereótipo de colonizado como selvagem, mas esse estereótipo é ambivalente; engloba elementos de medo e desejo. A tradução que possibilita a comunicação cultural acaba com toda idéia de essencialismo de uma cultura pura e é por isso que o conceito de hibridez assume posição tão central e esse espaço híbrido descredibiliza as representações hegemônicas. A ambivalência da imitação está em que ela afirma a diferença no processo de identificação do outro.
Se contrapusermos o conceito de diferença ao conceito de multiculturalismo veremos que “o multiculturalismo pressupõe a idéia de uma cultura central que estabelece as normas em relação às quais devem se posicionar culturas menores” (Santos: 2006) e é por isso que os projetos multiculturais não têm impedido que o racismo e a discriminação étnica continuem a se propagar. 
A exaltação da condição híbrida diaspórica tem sido utilizada para ocultar realidades imediatas econômicas, políticas, culturais e sociais das comunidades diaspóricas, assim os grupos imigrantes ou diaspóricos ficam sempre em posição de poder que lhes seja desfavorável o que os faz “viver num país, mas com o olhar sempre perfurando o tempo e o espaço a procura de um outro país ou lugar”.(Cohen:1997)
Em suma, o Próspero português, quando visto pelo Super-Próspero europeu, é um Caliban. Isto implica em dizer que a identidade do colonizador português é dupla. Ele é Próspero e Caliban ao mesmo tempo, o que vai determinar sua classificação é por quem o português é visto, já que ele é tanto colonizador quanto colonizado. Se visto por seu colonizador, então é Caliban, se visto por sua colônia, então é Próspero.
Os silêncios e os ruídos do pós-colonialismo
A experiência da ambivalência e da hibridação entre colonizador e colonizado foi a experiência do colonialismo português durante longos períodos (refere-se também ao pós-colonialismo anglo-saxônico) e, no contexto de pós-colonialismo em língua oficial portuguesa, o importante é saber diferenciar os vários tipos de ambivalência e hibridação os que reforçam as desigualdades de poder da relação colonial e os que as destroem.
No caso do colonizado e do colonizador (que já foi colonizado), a disputa se dá pelas marcação das margens da alteridade, mas a alteridade está nos dois lados da margem, fazendo surgir a imitação e o estereótipo. Na imitação colonial o que está em causa é a imitação do colonizador por parte do colonizado, o que não quer dizer que o colonizado queira se aproximar do colonizador e sim que a imitação se deu mais por causa do contexto de sobrevivência difícil. No caso do império português, a imitação parece ter se dado pela tentativa de se igualar aos outros impérios e de desvencilhar do status de colônia.
A ambivalência não afeta apenas a identidade do colonizador, mas a do colonizado também. No Brasil, é possível imaginar que a identidade do colonizado foi construída a partir de um duplo outro – o português, como colonizador direto, e o britânico, como indireto. Por isso, a crítica pós-colonial em língua portuguesa deve centrar-se na crítica da ambivalência e não na sua reivindicação, a fim de identificar quais formas de ambivalência e de hibridação dão voz ao subalterno.

“Consideradas as debilidades do Próspero português, puderam usá-lo para controlarem a África e protegerem a África do Sul do apartheid sem o ônus do colonialismo. Assim, a identidade do colonizador-colonizado pode reproduzir-se até ao final do império.O problema agora é saber se essas bases continuam a se reproduzirem agora que Portugal (Caliban, nesse sentido) passou a ser de pleno direito a periferia da Europa”.(Santos:2006 )

Estereótipos: Um Caliban entre os Prósperos
Uma identidade se forma a partir de outras, seja ela identificada pela semelhança ou diferença, e por isso quem tem identidade tem poder. No capitalismo, que tem o poder de declarar a diferença tem também o poder para declará-la superior àquelas em que se espelha, ou seja, é uma identidade dominante. Já na identidade subalterna, declarar a diferença implica na tentativa de reduzir a inferioridade.
A dominante é sempre ambivalente, pois ao negar totalmente o outro, o faz através da produção ativa da inexistência do outro. Essa ambivalência fica bem clara quando se tem acesso ao modo como era representada a América no início da expansão européia, eram narrativas contrastadoras entre as imagens utópicas do novo continente e as práticas canibalísticas dos nativos. Ao passo que, os portugueses atribuíram às suas colônias imagens semelhantes àquelas que já lhes haviam atribuído os europeus. Em resumo, portugueses acabaram conferindo características aos brasileiros, por exemplo, que eles julgaram inferiores, mas que outrora já haviam sido características conferidas a eles próprios.

Conclusão
A partir do texto de Santos (2006), procurei demonstrar meu entendimento através de uma projeção analógica, onde a formação do gosto de um leitor é, por mim, comparada à busca pela identidade de um país. Com o tempo, tudo o que eu leio acaba sendo incorporado ao meu eu, a ponto de eu já não saber o que, de fato, veio de mim e o que eu agreguei de outras pessoas (de diferentes épocas, costumes). Isso se funde, e se torna, se não impossível, pelo menos difícil fazer distinção do que sou eu e que parte de mim é o outro ou outros. Sendo assim, devo saber primeiro o que é o outro para então saber o que sou eu, qual minha identidade, o meu gosto.
Nesse contexto, também devo lembrar que os autores que eu li já tinham uma bagagem vasta que incorporava seus pensamentos com outras vozes anteriores. Com essa comparação, quero dizer que o processo de formar uma identidade (assim como formar o gosto) se torna difícil porque os colonizadores (autores), outrora na condição de colonizados (leitores), também transmitem vozes que não são só suas, não são puras e sim vozes que transportaram, através dos tempos, outra cultura, outra noção de economia e política e isso influencia obrigatoriamente na formação da identidade do colonizado (ou leitor).

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