28 de novembro de 2011

Análise de Lei em seu contexto histórico


  Universidade Federal de Rio Grande
Faculdade de Direito
Professor Francisco Quintanilha
Acadêmica: Viviane de Freitas Cunha - 54.989 – Turma A

(IN) IMPUTABILIDADE PENAL

O presente trabalho versa sobre as leis que se referem ou se referiram à imputabilidade ou inimputabilidade dos menores de dezoito anos, quando cometedores de crimes/atos infracionais. Para dar corpo ao trabalho, recorremos às Ordenações Afonsinas, vigentes no período colonial, ao Código do Menor e, por fim, ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Remontemo-nos ao tempo do Brasil colonial. A colônia precisava de leis e, portanto, é certo que o direito que valesse fosse o da metrópole. Assim, como naquela época as leis vigentes eram as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, essas eram aplicadas (teoricamente)[1] na colônia.
Conforme Cristiani (2005), as Ordenações Filipinas foram as mais importantes para o Brasil. Promulgada em 1603, foram aplicadas por largo período. A título de ilustração, o autor ressalta que as normas de direito civil destas ordenações vigoraram até a criação do código civil brasileiro, em 1916.
No tocante ao nosso trabalho, a matéria de interesse se refere ao Livro V, sobre a aplicação das penas aos menores de idade. Lia-se nas Ordenações Filipinas, Livro V, Título CXXXV, o seguinte:
Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem
Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte anos, cometer qualquer delicto, dar-se-lhe-há a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco anos passasse. E se fôr de idade de dezasete anos até vinte, ficará em arbítrio dos Julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha [...]. E quando o delinquente fôr menor de dezaste anos coumpridos, posto que o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delicto tal, que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito Comum.[2]
Assim, percebe-se que, à época, não havia criminosos ou infratores inimputáveis. Inclusive os menores de dezessete anos eram julgados conforme as normas do direito comum, excetuando-se os casos em que se tratasse de pena de morte. O delinquente que estivesse entre os dezessete e os vinte anos estaria ao critério do Julgador, podendo este decidir sobre o cumprimento de pena total ou diminuída.
O Brasil independente passa a formular seus primeiros códigos e leis desde muito cedo, no entanto, somente um século depois de sua independência é que se vai criar, aqui, uma lei específica para menores de idade. É promulgado, em 1927, o decreto nº 17.943 – O Código do Menor, o qual consolidava a assistência e proteção a menores.
Este Código já previa, em seu art. 86, que nenhum menor de dezoito anos pudesse ir á prisão comum. Em seu artigo 68, fica determinado que os criminosos ou contraventores menores de quatorze anos não seriam, em hipótese alguma, submetidos a processo penal. Quanto aos maiores de quatorze, mas menores de dezoito, determinou-se que seriam submetidos a processo especial.
Quando se tratasse de crime grave e se comprovasse que se tratava de indivíduo perigoso ou em estado de perversão moral, ao menor que se encontrasse entre a idade de dezesseis e dezessete anos seria aplicado o art. 65 do Código Penal e encaminhamento para estabelecimento para condenados menores de idade. Em não havendo esses estabelecimentos, o menor iria à prisão comum, mas ficaria separado dos presos adultos e estaria sujeito a regime educativo e/ou profissional e não penitenciário.
O Capítulo VII do Código apresenta disposições sobre Menores Delinquentes. Os artigos 71 e 79 nos diziam o seguinte:
Art. 71. Si fôr imputado crime, considerado grave pelas circumstancias do facto e condições pessoaes do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18 annos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de individuo perigoso pelo seu estado de perversão moral o juiz Ihe applicar o art. 65 do Codigo Penal, e o remetterá a um estabelecimento para condemnados de menor idade [...].
Art. 79. No caso de menor de idade inferior a 14 annos indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou contravenção [...], o juiz ou tribunal ordenará sua collocação em asylo, casa de educação, escola de preservação, ou o confiara a pessoa idonea, até que complete 18 annos de idade [...][3]

Pode-se perceber que o conteúdo não difere muito do que se aplica atualmente. O Código do Menor foi revogado em 1979 e substituído pela Lei nº 6697/79 que, posteriormente, foi revogada e substituída pela Lei nº 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.
O ECA prima pela riqueza de detalhes referentes às medidas de proteção ao menor. Dispõe sobre o direito à liberdade, família, educação, cultura, esporte, lazer, etc. e sobre as consequências do não cumprimento desses direitos. No entanto, retira o capítulo sobre menores delinquentes que se via no código do menor de 1927 e o mais próximo de punir as infrações que encontramos no ECA é o que segue:
Da Prática de Ato Infracional - Capítulo I - Disposições Gerais
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
O menor de idade, segundo o código civil brasileiro, é aquele que, “em razão da idade, ainda não alcançou a capacidade jurídica, não podendo exercer, pessoalmente, seus direitos, nem podendo ser responsabilizado quanto a deveres inerentes ao maior de idade, p. ex., sua inimputabilidade penal até os 18 anos”. Portanto, de acordo com este conceito e com os artigos supracitados, ainda que um adolescente venha a cometer um crime hediondo, não terá cometido um “crime”, mas uma infração, podendo, portanto, não ser preso, mas encaminhado a casas de detenção para menores infratores, juntamente com outros que tenham cometido infrações leves.
A Constituição Federal do Brasil diz, em seu artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, no entanto, quando o assunto é a punição de crimes, há um grupo especifico que parece ser excluído do referido artigo: os menores de dezoito anos. No artigo 228 da CF, lemos: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Ainda sobre as infrações, nos diz o ECA:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

Fala-se, atualmente, na redução da idade penal. No entanto, os debates foram elevados à categoria constitucional. Não se centram na necessidade da redução ou da manutenção, mas na inconstitucionalidade da mudança, ou seja, no caráter pétreo do referido artigo 228. No entanto, não haveria uma contradição entre os artigos 5º e 228, pois o primeiro diz que todos são iguais perante a lei e o outro diz que os menores de dezoito anos não são, pois não podem ser imputados de igual maneira que os demais?
Este trabalho pretendeu traçar as modificações que ocorreram através do tempo nas legislações que versam sobre a idade penal. Os debates em torno de possíveis outras mudanças continuam a ocorrer, mas esbarram na Constituição. Resta-nos aguardar o resultado do trabalho dos legisladores, embora haja os que digam que qualquer mudança/redução seja inconstitucional.

Referências

BRASIL. Constituicão da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
BRASIL. Decreto nº 17.943 - Código do Menor. Disponível em http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943A.htm, com acesso em 19/11/2011.
BRASIL. Lei nº 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm, acesso em 20/11/2011
Fundação Abrinq. Disponível em http://www.fundabrinq.org.br/_Abrinq/documents/ peac/diferencas.pdf, acesso em 21/11/2011.
PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/ filipinas/l5p1311.htm, acesso em 19/11/2011.



[1] Dizemos “teoricamente”, porque dada a distancia entre metrópole e colônia, era difícil fazer cumprir as leis tal qual eram ordenadas. Além disso, a própria elite de colonizadores fazia seu próprio direito.
[2] Texto com a ortografia original, disponibilizado pelo sitio eletrônico da Universidade de Coimbra.
[3] Ortografia original, oficial da época

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