Introdução
Este artigo pretende fazer uma relação entre os conteúdos sobre a escrita africana estudados em Literatura Portuguesa III. Assim, ao ficarmos conhecendo alguns dos poemas de José Craveirinha, contos de José Luandino Vieira, contos de Mia Couto e outros, podemos perceber que, apesar do colonialismo português, a África buscou afirmar sua identidade cultural através da literatura, com a marca da oralidade no texto escrito, além do uso de palavras e expressões de idiomas africanos.
É possível fazer uma leitura sobre a literatura africana muito mais esclarecedora a partir de teóricos que escreveram sobre essa literatura de povos colonizados, mas também é importante lembrarmos de nos situarmos no contexto histórico em que estava inserido cada escritor.
A busca pelo passado
A voz, a oralidade, o hibridismo lingüístico e a tradução constituíram a marca da escrita africana. Através de leituras sobre o angolano Luandino, ficamos sabendo que em seus primeiros livros não havia grande preocupação em inserir a oralidade na escrita e, por isso, escrevia quase sem romper com o português padrão. No entanto, em seu terceiro livro Nosso musseque as reflexões políticas e sociais explicitas deram lugar à preocupação com a linguagem, já distante do português escrito padrão e contando com um maior número de palavras e estruturas do quimbundo ou decorrentes do convívio do português com as línguas africanas faladas em Angola (linguagem híbrida). Dessa forma, Luandino deixa sua marca.
Chaves, em Angola e Moçambique:experiência colonial e territórios literários, nos diz que:
“foram muitas as rupturas agenciadas pelo colonizador. Entre as mais drásticas, está o afastamento entre o colonizado e sua língua de origem (...)
Impedido de falar sua língua, o dominado também não tem total acesso a língua do colonizador (...)
Para expressar a luta contra o mal que se abateu sobre seu mundo, é necessário valer-se de um dos instrumentos de dominação: a língua do outro”
Os contos de Luandino trazem o ambiente dos musseques com sua realidade: miséria, pobreza e conflitos raciais, mas presa a esses problemas trazem a riqueza e complexidade do cotidiano, da experiência e da cultura africana. Apenas a língua portuguesa não seria capaz de abarcar essa complexa realidade, por isso o trabalho com a linguagem se torna foco principal da escrita.
A preocupação social ou política perpassa ainda todo o texto, mas o que mais salta aos olhos e aos ouvidos é o estranhamento relativo ao uso da linguagem. No entanto não se pode deixar de notar que, apesar de as palavras africanas serem mantidas nos textos, elas vêm sempre acompanhadas de traduções, em nota de rodapé, ou no próprio texto.
A impressão que temos ao nos depararmos com os contos de Luandino é a de que cada palavra que está no idioma quimbundo não poderia nunca ser substituída por uma “tradução” do português, pois isso descaracterizaria a literatura de Luandino que é rica justamente por conservar essa oralidade dos contos africanos. Além disso, outra coisa que chama a atenção nos seus contos é o fato de afirmar serem todos verdadeiros, acontecimentos reais, e ele então acaba recriando a realidade, sem sair da ficção.
Ainda como escritor que marca a oralidade em suas obras, temos Mia Couto, que se envolveu na luta pela libertação apenas política e intelectualmente, mas, ao contrário de Luandino, nunca foi preso. Ainda assim, as lembranças e as conseqüências da guerra estão presentes em várias de suas obras. Mia Couto afirma que o trabalho vocabular só se torna importante porque mostra a riqueza da oralidade e da convivência lingüística em Moçambique.
O elo entre todas as obras do autor – contos, romances ou crônicas – é, certamente, a apresentação das relações, amigáveis ou conflituosas, entre a oralidade e a escrita, entre a cultura ocidental e as africanas, através de um trabalho de transcriação da linguagem que permite inserir e perceber todas as diferentes vozes e nuances presentes nesses conflitos (...) (Sampaio: 2008)
Considerações finais
Todos esses escritores ressaltam a cultura africana, o que pode ser notado pela escolha dos temas, tanto das poesias quanto dos contos, e pelo uso de recursos que permitem ao leitor perceber a presença dessa cultura a todo o momento.
A principal semelhança que podemos encontrar entre os textos destes escritores africanos, é o uso da linguagem – que aproxima a escrita da oralidade, preserva palavras no idioma africano e, no caso de Mia Couto, do uso de neologismos que uma vez postos nos textos, parecem não poder ser substituído por nenhuma outra palavra.
Por fim, podemos concluir dizendo que a literatura africana é um grito de liberdade, de poder sim colocar a sua marca, ainda que escreva na língua do colonizador, pois é através da escrita que os conflitos são desvendados, que surgem margens para a reflexão e que se pode buscar e também eternizar o passado. É através da escritura que Craveirinha, Couto, Luandino e tantos outros que podemos saber que a identidade africana ficou marcada na literatura e que seus gritos de liberdade foram ouvidos.
CHAVES, Rita. Angola e Moçambique:experiência colonial e territórios literários. São Paulo: Ateliê,2005.
SAMPAIO, N. A. F.: Por uma poética da voz africana: transculturações em romances e contos africanos e cantos afro-brasileiros. Mestrado em Letras.Universidade Federal de Minas Gerais; Ano de Obtenção: 2008.
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