1 de dezembro de 2011

Resenha para a disciplina de Filosofia

Referência: GUIDDENS, Anthony. A política de mudança climática. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

Resenha da Introdução e dos Capítulos 1 e 9 da referida obra.

A necessidades de políticas do clima

Viviane de Freitas Cunha[1]

Que esperança existe de que, como humanidade coletiva, sejamos capazes de controlar as forças que desencadeamos? (Giddens, 2010)

A humanidade só se propõe problemas que é capaz de resolver. (Marx apud Giddens, 2010)

Anthony Giddens é um sociólogo britânico preocupado com as consequências do desenvolvimento do mundo moderno, aliás, dessa forma é intitulada uma de suas obras: Consequências da modernidade. Nesta assim como em A política de mudança climática, Giddens vai versar sobre o problema do aquecimento global associado ao problema da segurança energética.
Giddens introduz seu texto com a metáfora dos motoristas de SUVs. Diz o autor que todos somos motoristas desses veículos, uma vez que todos contribuímos para a gradativa mudança climática e, o mais atemorizante, despreparados para enfrentar as ameaças que provocamos e com as quais lidaremos no futuro. Dirigimos os SUVs como se não soubéssemos das inúmeras teorias que se disseminam pelo mundo, alertando sobre os efeitos da mudança climática. No entanto, Giddens esclarece: um grande número de livros foi escrito sobre ela e suas consequências prováveis. Nos últimos anos, essa questão tomou a frente das discussões no mundo todo.
O tema central da obra se dá em torno do paradoxo de Giddens, ou seja, uma vez que o problema da mudança climática não é palpável, o colocamos em segundo plano. No entanto, quando o problema chegue a ser palpável será tarde para que façamos algo que traga efeitos concretos de regressão do estado catastrófico.
Outros problemas asseverados pelo autor são o da própria isenção de culpa da sociedade e o da incapacidade de abstrair presente e futuro. Giddens vai nos dizer que, de fato, os indivíduos têm certa dificuldade de “atribuir o mesmo nível de realidade ao futuro que ao presente” (p. 20) e que por isso o problema parece estar sempre distante. Além disso, cada indivíduo tende a pensar que qualquer atitude que possa tomar enquanto isolado, não ajudará em nada, poucos preocupam-se com o “fazer a minha parte”.
Os meios usados para atingir o “progresso econômico” podem ser extremamente prejudiciais se não forem usados de maneira bem pensada. Para que os danos não sejam ainda maiores, Giddens afirma que se fazem urgentes estratégias políticas bem planejadas, especialmente em países industrializados e, o mais importante, essas estratégias têm de ser suprapartidárias, de maneira que, embora haja troca de governo, a política de mudança climática seja continuada.
O sociólogo adverte que “este não é um livro sobre a mudança climática, mas sobre a política de mudança climática” (p. 36), em outras palavras, podemos entender que não é sobre o problema da mudança climática em si, mas sobre os efeitos da despreocupação total com este problema. E, principalmente, da não-tomada de decisões por parte dos governantes, enfim, do que a ausência dessa política pode causar.
Giddens traz também a fala de estudiosos céticos a respeito da mudança climática e também a postura dos críticos. É aqui que as opiniões se dividem: os primeiros asseguram que o aquecimento global moderno é moderado e não é produzido pelo homem e que o aumento da temperatura não é algo novo, tendo em vista que em outras épocas, o planeta já passou por oscilações desse tipo mais de uma vez. Para os céticos, segundo Giddens, é um exagero gastar reservas econômicas com programas de redução de CO2, enquanto há problemas reais urgentes como a pobreza mundial, a disseminação da aids e as armas nucleares.
Por outro lado, há os críticos, que defendem que o aumento na temperatura é causado pelas ações do homem enquanto indivíduo pertencente a uma civilização industrial, que resultam no efeito estufa, e acreditam que medidas devem ser tomadas para “salvar” o planeta.
A obra é de total pertinência, atualizado e rico em informações. O que podemos depreender desta obra é que Giddens acredita na necessidade de um diálogo entre os estudiosos da causa ambientalista, os empresários e os governos. E que esse diálogo deve associar a problemática do aquecimento global com a da segurança energética. Para o autor, há que se buscar novas fontes de energia renováveis, mas o mais urgente é rever as políticas antes que chegue o momento em que, ainda que haja a melhor das intenções, já não seja possível fazer nada.


[1] Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Rio Grande.

Resenha para a disciplina de Filosofia

Referência: TARNAS, Richard. A transformação da Era Moderna. In: A Epopeia do pensamento ocidental: para compreender as ideias que moldam nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 350-421.

História do Pensamento Moderno
Viviane de Freitas Cunha[1]

Richard Tarnas é astrólogo, filósofo e historiador do pensamento ocidental, mais especificamente, é um estudioso da evolução do pensamento filosófico moderno. Suas obras, grande parte das vezes, se referem à religião, à ciência e à filosofia. A epopéia do pensamento ocidental trata de mais de vinte séculos de teorias e ideias, que vão desde os gregos clássicos até os filósofos pós-modernos.
O trecho da obra resenhado se refere ao capítulo V – A transformação da era moderna –, a qual apresenta a extensa narrativa histórica da visão de mundo ocidental e da revolução científica, bem como as evoluções nas ciências e na filosofia ocorridas ao longo de toda era moderna marcada pelas rupturas com certas concepções medievais, especialmente no que se refere à religiosidade. É, outras palavras, um desdobramento de tudo o que formou o pensamento moderno.
Resenhar este texto não é tarefa simples, uma vez que se tem a impressão de que cada novo parágrafo lido trata do “mais importante”, e, francamente, isso pode acontecer tanto quando se entende tudo, como quando não se entende nada. O leitor deste livro não deve esperar uma leitura simples e fluida, ao contrário, visto que se trata de muitos anos de história, de descobertas, e de teorias inovadores [suplantadas por outras mais novas e atuais] de diferentes áreas, ainda que estas venham a se entrecruzar.
Basicamente, o texto trata das teorias que foram resultando das respostas buscadas pelos estudiosos a fim de que pudessem responder as questões que iam emergindo, como a dúvida sobre o discurso aceito de que a Terra, o homem, ou Deus seriam o centro do universo e, ainda, questões sobre o caráter nato das ideias e de como tudo isso deu forma ao pensamento moderno.
Tarnas pretende fazer com que entendamos a história das ciências e da filosofia, afinal, ela é que molda o nosso entendimento do mundo atual. Mas, voltando à época das luzes, quando o racionalismo invade a cena, temos a melhor definição da revolução científica com Francis Bacon: Saber é poder. O pensamento passou a ser norteado pela necessidade de certezas, por uma necessidade de ser plenamente racional, justamente, para que a visão de mundo pudesse ser realista é confiável e aquele que detivesse o conhecimento, seria também detentor do poder.
Para Tarnas, a revolução nas ciências começa com Copérnico, quando este tira a Terra do centro do Universo e põe a baixo essa concepção medieval. Depois, temos as teorias darwinistas, e estas tiram o homem do centro do Universo, nas palavras do autor, agora, sabia-se que o homem era só um animal que dera muito certo (p. 351) e Freud, pega o inconsciente humano cheio de medos e desejos e traz para a luz da investigação racional.
Descartes é trazido pelo autor como fundador da filosofia moderna, seguido por Espinoza, Locke, Berkeley, Hume e Kant. E, a partir desses filósofos, Tarnas vai iniciar a discussão sobre os racionalistas e os empiristas. Para estes (e neste rol estão Locke, Berkeley e Hume), nada chega até a consciência sem que passe, antes, pelos sentidos e jamais a ideia ou o conceito podem ser confundidos com a coisa. Por outro lado, para aqueles (compreende-se aqui Descartes e Espinosa), o fundamento do conhecimento vinha exclusivamente da razão.
Kant supera esse embate entre teóricos ao dizer que os sentidos eram importantes, mas a razão também. Os racionalistas haviam esquecido a importância da experiência, e os empiristas não queriam aceitar que a razão influenciasse grandemente a nossa concepção do mundo. Kant acaba por equilibrar essa tensão entre racionalistas e empiristas.
O próximo tema abordado por Tarnas é o dos temperamentos modernos: o iluminista e o romântico. Ambos queriam conhecer a natureza, mas o cientista/iluminista queria a revelação através da “lei mecânica” e o romântico através da “lei espiritual”. O primeiro buscava a verdade incontestável e o segundo, a verdade sublime. Dentre os românticos estão Goethe, Nietzsche, Kierkegaard, Schopenhauer.
Falando sobre o Existencialismo o autor encerra este capítulo. A anomia, o mal-estar, a qualidade da vida moderna, todos esses problemas da “moderna condição” (p. 416) eram encarados através do fenômeno do existencialismo. Dentre os existencialistas, tem-se Heidegger e Sartre. Agora, sabia-se que “as coisas existiam simplesmente porque existiam” (p. 416). A ciência tentou explicar todas as coisas, mas o que fez foi acabar reduzindo todas as coisas. E coube aos pós-modernos formular novas questões e ir em busca de respostas para esse problemas modernos.


[1] Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Rio Grande.

28 de novembro de 2011

Análise de Lei em seu contexto histórico


  Universidade Federal de Rio Grande
Faculdade de Direito
Professor Francisco Quintanilha
Acadêmica: Viviane de Freitas Cunha - 54.989 – Turma A

(IN) IMPUTABILIDADE PENAL

O presente trabalho versa sobre as leis que se referem ou se referiram à imputabilidade ou inimputabilidade dos menores de dezoito anos, quando cometedores de crimes/atos infracionais. Para dar corpo ao trabalho, recorremos às Ordenações Afonsinas, vigentes no período colonial, ao Código do Menor e, por fim, ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Remontemo-nos ao tempo do Brasil colonial. A colônia precisava de leis e, portanto, é certo que o direito que valesse fosse o da metrópole. Assim, como naquela época as leis vigentes eram as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, essas eram aplicadas (teoricamente)[1] na colônia.
Conforme Cristiani (2005), as Ordenações Filipinas foram as mais importantes para o Brasil. Promulgada em 1603, foram aplicadas por largo período. A título de ilustração, o autor ressalta que as normas de direito civil destas ordenações vigoraram até a criação do código civil brasileiro, em 1916.
No tocante ao nosso trabalho, a matéria de interesse se refere ao Livro V, sobre a aplicação das penas aos menores de idade. Lia-se nas Ordenações Filipinas, Livro V, Título CXXXV, o seguinte:
Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem
Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte anos, cometer qualquer delicto, dar-se-lhe-há a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco anos passasse. E se fôr de idade de dezasete anos até vinte, ficará em arbítrio dos Julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha [...]. E quando o delinquente fôr menor de dezaste anos coumpridos, posto que o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delicto tal, que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito Comum.[2]
Assim, percebe-se que, à época, não havia criminosos ou infratores inimputáveis. Inclusive os menores de dezessete anos eram julgados conforme as normas do direito comum, excetuando-se os casos em que se tratasse de pena de morte. O delinquente que estivesse entre os dezessete e os vinte anos estaria ao critério do Julgador, podendo este decidir sobre o cumprimento de pena total ou diminuída.
O Brasil independente passa a formular seus primeiros códigos e leis desde muito cedo, no entanto, somente um século depois de sua independência é que se vai criar, aqui, uma lei específica para menores de idade. É promulgado, em 1927, o decreto nº 17.943 – O Código do Menor, o qual consolidava a assistência e proteção a menores.
Este Código já previa, em seu art. 86, que nenhum menor de dezoito anos pudesse ir á prisão comum. Em seu artigo 68, fica determinado que os criminosos ou contraventores menores de quatorze anos não seriam, em hipótese alguma, submetidos a processo penal. Quanto aos maiores de quatorze, mas menores de dezoito, determinou-se que seriam submetidos a processo especial.
Quando se tratasse de crime grave e se comprovasse que se tratava de indivíduo perigoso ou em estado de perversão moral, ao menor que se encontrasse entre a idade de dezesseis e dezessete anos seria aplicado o art. 65 do Código Penal e encaminhamento para estabelecimento para condenados menores de idade. Em não havendo esses estabelecimentos, o menor iria à prisão comum, mas ficaria separado dos presos adultos e estaria sujeito a regime educativo e/ou profissional e não penitenciário.
O Capítulo VII do Código apresenta disposições sobre Menores Delinquentes. Os artigos 71 e 79 nos diziam o seguinte:
Art. 71. Si fôr imputado crime, considerado grave pelas circumstancias do facto e condições pessoaes do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18 annos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de individuo perigoso pelo seu estado de perversão moral o juiz Ihe applicar o art. 65 do Codigo Penal, e o remetterá a um estabelecimento para condemnados de menor idade [...].
Art. 79. No caso de menor de idade inferior a 14 annos indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou contravenção [...], o juiz ou tribunal ordenará sua collocação em asylo, casa de educação, escola de preservação, ou o confiara a pessoa idonea, até que complete 18 annos de idade [...][3]

Pode-se perceber que o conteúdo não difere muito do que se aplica atualmente. O Código do Menor foi revogado em 1979 e substituído pela Lei nº 6697/79 que, posteriormente, foi revogada e substituída pela Lei nº 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.
O ECA prima pela riqueza de detalhes referentes às medidas de proteção ao menor. Dispõe sobre o direito à liberdade, família, educação, cultura, esporte, lazer, etc. e sobre as consequências do não cumprimento desses direitos. No entanto, retira o capítulo sobre menores delinquentes que se via no código do menor de 1927 e o mais próximo de punir as infrações que encontramos no ECA é o que segue:
Da Prática de Ato Infracional - Capítulo I - Disposições Gerais
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
O menor de idade, segundo o código civil brasileiro, é aquele que, “em razão da idade, ainda não alcançou a capacidade jurídica, não podendo exercer, pessoalmente, seus direitos, nem podendo ser responsabilizado quanto a deveres inerentes ao maior de idade, p. ex., sua inimputabilidade penal até os 18 anos”. Portanto, de acordo com este conceito e com os artigos supracitados, ainda que um adolescente venha a cometer um crime hediondo, não terá cometido um “crime”, mas uma infração, podendo, portanto, não ser preso, mas encaminhado a casas de detenção para menores infratores, juntamente com outros que tenham cometido infrações leves.
A Constituição Federal do Brasil diz, em seu artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, no entanto, quando o assunto é a punição de crimes, há um grupo especifico que parece ser excluído do referido artigo: os menores de dezoito anos. No artigo 228 da CF, lemos: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Ainda sobre as infrações, nos diz o ECA:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

Fala-se, atualmente, na redução da idade penal. No entanto, os debates foram elevados à categoria constitucional. Não se centram na necessidade da redução ou da manutenção, mas na inconstitucionalidade da mudança, ou seja, no caráter pétreo do referido artigo 228. No entanto, não haveria uma contradição entre os artigos 5º e 228, pois o primeiro diz que todos são iguais perante a lei e o outro diz que os menores de dezoito anos não são, pois não podem ser imputados de igual maneira que os demais?
Este trabalho pretendeu traçar as modificações que ocorreram através do tempo nas legislações que versam sobre a idade penal. Os debates em torno de possíveis outras mudanças continuam a ocorrer, mas esbarram na Constituição. Resta-nos aguardar o resultado do trabalho dos legisladores, embora haja os que digam que qualquer mudança/redução seja inconstitucional.

Referências

BRASIL. Constituicão da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
BRASIL. Decreto nº 17.943 - Código do Menor. Disponível em http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943A.htm, com acesso em 19/11/2011.
BRASIL. Lei nº 8.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm, acesso em 20/11/2011
Fundação Abrinq. Disponível em http://www.fundabrinq.org.br/_Abrinq/documents/ peac/diferencas.pdf, acesso em 21/11/2011.
PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/ filipinas/l5p1311.htm, acesso em 19/11/2011.



[1] Dizemos “teoricamente”, porque dada a distancia entre metrópole e colônia, era difícil fazer cumprir as leis tal qual eram ordenadas. Além disso, a própria elite de colonizadores fazia seu próprio direito.
[2] Texto com a ortografia original, disponibilizado pelo sitio eletrônico da Universidade de Coimbra.
[3] Ortografia original, oficial da época

12 de novembro de 2011

Questões de Sociologia

As seguintes questões foram respondidas a partir da seguinte referência:
SANTOS, B. de S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática, v. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. Cap. 2 - Para uma concepção pós-moderna de direito. São Paulo, Cortez ed., 2000.

1) Fale sobre as relações entre ordem, emancipação e regulação na concepção de Boaventura de Sousa Santos.
A relação entre emancipação e regulação se dá através de uma tensão, a qual remonta à recepção do direito romano na Europa do século XX, uma vez que grande parte dos historiadores o considera o fator mais importante da criação da tradição jurídica moderna ocidental. A relação desta tensão com a ordem se dá, a partir do momento em que o capitalismo exige que o direito assegure a ordem.
Com a tensão entre emancipação e regulação veio a ideia da boa ordem. Em desaparecendo essa tensão, a boa ordem deu lugar à ordem tout court, que, no meu entendimento, desligou ordem e solidariedade, e o direito passou a agir para assegurar uma ordem que é exigida pelo capitalismo (ou capitalistas).
A sociedade feudal se encontrava em uma situação extrema de pluralismo jurídico e a recepção do direito romano convinha aos projetos emancipatórios da classe nascente (burguesia), que já desenvolvia uma forma de regulação jurídica que reforçava os seus interesses em uma sociedade que ela não dominava nem política, nem ideologicamente.
Pode-se dizer, portanto, que a tensão entre emancipação e regulação se constitui com a recepção do direito romano. Ao novo projeto regulador (que está ao serviço dos interesses progressistas da classe social) cabe desenvolver um projeto cultural e político de emancipação social. Dessa forma,
A tensão entre regulação e emancipação reside no fato de a legitimidade do poder regulador derivar da sua autonomia relativamente aos fatores fáticos envolvidos nos conflitos cuja resolução exige regulação. (Souza, 2000, p. 123)

Para Santos, a tensão se desfaz quando a emancipação é absorvida pela regulação. Isso ocorre porque, segundo o autor, as características do direito romano (que eram responsáveis pela tensão) se transformam, assim como as condições específicas da época. A isto, Santos chama de “canibalização da emancipação social por parte da regulação social”.
Se a tensão da qual estamos falando era parte do projeto histórico da nova burguesia europeia na luta pela conquista econômica, cultural e política, uma vez conquistados esses objetivos, a tensão perde a utilidade histórica e é eliminada. Conforme Santos (2000):
A trajetória histórica da experiência humana demonstra que ela se move do certum para o verum, da autoridade para a razão, do particular para o universal. É o direito que melhor revela essa trajetória: em todos os momentos da história, o direito é constituído por uma tensão entre regulação (autoridade) e emancipação (razão), mas, com o desenrolar da experiência humana, a emancipação triunfa sobre a regulação.  (p. 128)

Quando o capitalismo passa a dominar, a cientificização do direito (criticada por Santos como erudição inútil e esoterismo impenetrável) permitida pelo direito romano demonstra como, num período de hegemonia positivista, a regulação social se torna científica para ser maximizada e para maximizar o esquecimento da ética social e política que, desde o século XII, mantinha viva as energias emancipatórias do novo horizonte jurídico (luta pela conquista do poder econômico e cultural e, enfim, político).

2) Qual o papel do Direito no capitalismo? Como se constrói a modernidade político-jurídica?
Ao direito moderno cabia a tarefa de assegurar a ordem, mas uma ordem exigida pelo capitalismo, o que soa incoerente, uma vez que o caos social havia sido obra do próprio capitalismo enquanto se desenvolvia. Se a modernidade teve com fruto a cientificização da sociedade, o direito moderno, para cumprir essa função (de assegurar a ordem), teve que se submeter “à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência moderna e tornar-se científico ele próprio”.
Santos inicia falando sobre o primeiro período do capitalismo, o capitalismo liberal. Conforme o autor, o cientificismo e o estatismo são as principais características do direito racional moderno. A dominação jurídica racional é legitimada pelo sistema racional de leis, universais e abstratas, emanadas do Estado, que presidem a uma administração burocratizada e profissional, e que são aplicadas a toda sociedade por um tipo de justiça baseado numa racionalidade lógico-formal.
O direito formal racional proporcionou a vontade do “Estado como pessoa” e do “Estado como máquina”. Tal como o direito foi reduzido ao Estado, o Estado foi reduzido ao direito. No entanto, esses processos não foram simétricos, pois, o direito perdeu poder e autonomia no mesmo processo político que os concedeu ao Estado. A medida que o direito foi se tornando estatal, foi se tornando científico. À medida que o direito foi politizado, enquanto direito estatal, foi também cientifizado, contribuindo, assim, para despolitizar o próprio Estado: a dominação política passou a legitimar-se enquanto dominação técnico-jurídica.
Sobre o segundo período do capitalismo, o capitalismo organizado, Santos (2000) afirma que “o campo jurídico, este período foi caracterizado por uma hipertrofia inédita da utopia automática de engenharia social através do direito, em nome da qual se redefiniram o cientificismo e o estatismo do direito”. (p. 145)
À medida que o Estado se envolveu na gestão de processos econômicos e sociais, o direito do estado tornou-se menos formalista e menos abstrato; houve a “materialização” do direito (mais formal, menos abstrato) e a “politização” do direito. Assim, o direito do Estado conseguiu dar credibilidade à utopia enunciada no primeiro período. Essa utopia jurídica acabou por simbolizar um novo conceito de caos e, na mesma proporção, um novo conceito de ordem.
Como afirma Santos, “[...] à medida que o direito se entranhava nas práticas sociais que pretendia regular ou constituir, distanciava-se do Estado: ao lado da utilização do Estado surgiu a possibilidade de o direito ser usado em contextos não-estatais e até contra o estado.” (p. 151). No entanto, visto de outro ângulo, o direito tornou-se mais estatal ainda, dado que essa juridicização da prática integrou categorias jurídico estatais relativamente homogêneos, nos mais diversos e heterogêneos domínios sociais. E o direito foi “despromovido da categoria de princípio legitimador do Estado para um instrumento de legitimação do estado”. Assim, começa a banalização do direito.
O terceiro período do capitalismo é caracterizado pelo desenvolvimento desorganizado. Com a juridicização do mundo social, acorrem disfunções que se revelam no campo jurídico. A regulação jurídica destrói a dinâmica orgânica e os padrões internos de autoprodução e auto-reprodução das diferentes esferas sociais. E são essas disfunções que redundam na ineficácia do direito.
O que a crise do direito regulatório revela é que, quando posto ao serviço das exigências regulatórias do Estado constitucional e do capitalismo hegemônico, o direito moderno (reduzido a direito estatal científico) foi gradualmente eliminando a tensão entre regulação e emancipação que lhe havia constituído.

3) De acordo com Boaventura quais as áreas em que é mais importante “des-pensar” o Direito e porque?
Santos adverte que o termo “des-pensar” é um neologismo que ele utiliza para “significar o processo analítico pelo qual o direito é submetido a um questionamento radical que envolve, sobretudo, o autoconhecimento produzido pelos juristas, o chamado pensamento jurídico e a ‘dogmática jurídica’”. Para o autor, o des-pensar o direito situa-se em três áreas tidas como as mais importantes:
“Estado nacional versus sistema mundial, Estado-sociedade civil versus sociedade política, e utopia jurídica versus pragmatismo utópico. Estes três tópicos foram apresentados como dilemas porque, de fato, foram percebidos como tal no início do século XIX. O Estado constitucional considerava-se dotado de um poderoso recurso (um sistema jurídico exclusivo, unificado e universal) para enfrentar esses dilemas eficazmente, isto é, de tal maneira que se assegurasse a auto-reprodução do próprio Estado. O primeiro dilema foi confrontado pelo dualismo direito nacional/direito internacional, o segundo dilema foi confrontado pelo dualismo direito privado/direito público, e oterceiro dilema foi confrontado por um padrão de transformação normal baseado na infinita disponibilidade ou manuseabilidade do direito (SANTOS, 2000, p. 187).

Ligado a isso, o autor acrescenta as deficiências estruturais destas três construções jurídicas, nas quais, a primeira ressaltava que em função do sistema inter-estatal, o direito internacional seria intrinsecamente de “qualidade jurídica” inferior à do direito nacional. A segunda deficiência alertava para o fato de que o direito privado era tão público como o direito público e que, portanto, um coincidia com o outro, anulando o dualismo. E a terceira construção jurídica esquecia o fato de que o direito, depois de separado da revolução, podia “normalizar” qualquer tipo de transformação numa qualquer direção possível (incluindo a estagnação ou a decadência social).
Na tentativa de repensar o direito, sem estes dilemas e sem estes impasses intelectuais e políticos a que eles conduziram, o autor vai em busca memórias alternativas para o futuro. Assim:
Relativamente ao primeiro dilema, encontrei-as na cultura jurídica multisecular, transnacional e local, da modernidade; relativamente ao segundo, encontrei-as em tradições conceptuais alternativas de Estado, especialmente no conceito de Estado da república renascentista, que o entendia como obem-estar geral de uma sociedade autogovernada (optimus status reipublicae); por último [...], descobri as memórias alternativas do futuro na articulação entre direito e revolução, uma longa tradição histórica da modernidade abruptamente interrompida depois da Revolução Francesa. Estas escavações foram apenas o começo do processo de des-pensar o direito (SANTOS, 2005, p. 187).

Como propôs Santos (2000), o objetivo é “des-pensar” o direito de forma dicotomizada, ou seja, dividido sobre os conceito direito público/privado, nacional/mundial,  sociedade civil/Estado.  O direito seria des-pensado e, então, repensado e essa nova maneira de pensar o direito poderia implicar na mudança da consciência de que o direito serve para regular todas as relações sociais e “esse processo pode culminar na eliminação da dicotomia fundamental: regulação-emancipação”.

19 de outubro de 2011

Avaliação de Ciência Política

Com base na obra À espera dos bárbaros, de J. M. Coetzee, a partir da seguinte questão:
Disserte sobre a fundação e a manutenção dos discursos civilizatórios de legitimação jurídico-estatal, relacionando os argumentos com a ideia contratualista.

A história contada do livro "À espera dos bárbaros" não tem sua espacialidade e temporalidade definidas. O narrador-personagem diz tratar-se de uma fronteira, ocupada por um império. A planície, outrora ocupada pelo que chamam de "bárbaros" é, agora, uma cidade, com uma fortaleza e um exército, sempre alertas contra possíveis ataques daqueles bárbaros, os quais nunca chegam.
Aos homens que vivem sem uma autoridade entre si, chmam bárbaros. são excluídos porque não celebraram o contrato social que iniciaria seu estado de sociedade civil.
Dentre os vários autores contratualistas, podemos citar Thomas Hobbes e Jacques Rousseau. Quando os homens, vivendo em estado de natureza, percebem seu corpo, sua vida e sua liberdade constantemente ameaçados, eles se unem, compactuando, transferindo seus direitos a uma autoridade suprema (o que Hobbes chama de Leviatã), a qual é responsável por resguardar esses direitos. Esse aitor acredita no poder absoluto do Leviatã. Segundo o autor, este não pode ser questionado. O contrato social, em hobbes, seria um contrato de submissão.
Por outro lado, Jacques Rousseau acredita que esse poder absoluto não seja uma forma de governo aceitável. O povo, ao não ver contemplados os seus direitos, deve - sim - questionar o governante e, se necessário, destitui-lo de seu poder. O contrato, para rousseau, seria um contrato de consentimento. O Estado veio da vontade geral e, portanto, deve assegurar o bem comum da sociedade.
Um dos pontos que diferencia o estado civil e o estado de natureza é o controle de impulsos, das paixões. Na obra de Coetzee, o magistrado passa grande parte do tempo tentando convencer-se de que não deseja sexualmente a moça, porque ela tem cicatrizes, porque ela é uma bárbara e ele é um civilizado e ele deve controlar seus impulsos. No entanto, cede, ao fim. E sua construção discursiva nos leva a crer que foi a jovem que insistiu. Não foi capaz de controlar seus impulsos. Seria ele um bárbaro por isso?
Há, na obra, uma tensão por parte de todos os personagens, exceto do magistrado, de que o forte será atacado a qualquer momento. No entanto, jamais viram um guerreiro bárbaro se aproximar. Vivem à espera de algo que não chega.
Ao que parece, os bárbaros aceitam o tratado social de não fazer guerra. Hugo Grócio acredita que a guerra seja necessária, quando seu objeto final é a paz. A guerra nasce de altercações entre semelhantes e essas altercações nascem do desrespeito ao direito do semelhante.
Há, porém, que se qualificar a guerra como justa ou injusta e isso só depende de sua motivação. Se quiser aniquilar o direito do "outro", é injusta. Mas se esse outro tiver seu direito aniquilado, é justo guerrear por ele. Antes de começar a guerra, faz-se necessária uma negociação entre as partes. Se, desta negociação, faz-se um acordo é certto que uma das partes ou as duas cedam alguns direitos em nome da paz. Se há acordo, não há guerra.
Na obra, o acordo é feito: os bárbaros contentamse com as montanhas, mas os soldados do império esperam pela guerra, talvez, por acharem que a guerra, caso ocorresse, seria justa, afinal, os bárbaros teriam direito de lutar por suas terras. Então, temendo essa guerra "não anunciada", os soldados, em nome da manutenção  e da expansão do império, castigam o que sequer conhecem.
Percebe-se que os bárbaros queriam distância daqueles colonizadores, tanto quee, para encontrá-los, foi necessário três semanas de viagem. Em suma, em nome da manutenção da ordem civil, deve-se aniquilar aquele que não compactua, que não se submete.
A obra prima pela riqueza de detalhes, chega a fazer o leitor sentir as dores da viagem fria ao encontro dos bárbaros. Talvez, não se situe num tempo e num espaço específicos porque trata de um tema geral, algo que poderia ter acontecido em qualquer fronteira, em qualquer época, uma vez que sempre haverá a negação do "diferente". No entanto, negar (neste caso, negar os bárbaros) significa também afirmá-los como indivíduos, como existentes e atuantes, uma vez que são 'ameaçadores'.
Ao fim, já está o leitor desacomodado (e acredito que este seja o objetivo do escritor-modelo). Ao fim, já está o leittor em dúvida sobre quem é o civilizado (aquele que tortura pescadores e crianças?) e quem é o bárbaro (o nômade submisso?).
Talvez o título seja uma metáfora e possa ser interpretado como um estado de espera dos bárbaros... os bárbaros que eles próprios (os civilizados) se tornariam em nome dos discursos civilizatórios.

Avaliação de Filosofia Geral. Resposta com base em Rousseau: discurso sobre a desiguladade entre os homens

Respondido em avaliação de filosofia Geral, 3º bimestre, do 1º ano do Direito da FURG - com base na leitura de: Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, de Rousseau.

Rousseau, no início de seu discurso, concebe dois tipos de desigualdade na espécie humana: a um, o autor chamou de natural e, ao outro, de social.
A desigualdade natural ou física é estabelecida pela natureza e consiste, basicamente, nas diferenças físicas entre os indivíduos: a diferença das idades, da saúde, do tipo físico, das forças do corpo e das qualidades da alma.
O segundo tipo de desigualdade concebida pelo filósofo é de cunho moral ou político e é uma convenção que consiste - sob autorização dos homens - em privilégios dos quais uns gozam e, outros, não. Como a riqueza, o poder, etc.
Rousseau, apesar de afirmar que não se pode ligar diretamente essas duas desigualdades, constroi seu discurso como uma espécie de inter-relação entre as duas.
Em havendo homens fortes e em havendo homens fracos (porém espertos), é bem possível supor que o fraco tenha subjugado, sujeitado o forte, a ponto de escravizá-lo; em os tendo oprimido, tornou-se poderoso; em tornando-se poderoso, gozou de prestígio; em gozando desse prestígio, houve os que acreditaram no discurso do "meu" que deu origem à propriedade privada.
Rousseau, na introdução de seu texto, faz o seguinte discurso: "tal desejo [de retrogradar] deve consttuir o elogio de teus primeiros antepassados, à crítica de teus contemporâneos e o temos daqueles que tiverem a infelicidade de viver depois de ti". (p.243)
Em outras palavras, quer dizer que rousseau louva o passado, quando se viva em estado natural, olha para esse passado com a saudade do que não viveu. Rousseau preocupa-se com o caminho tomado pela sociedade de seu presente, causa-lhe indignação, mas preocupa-se ainda mais com o futuro a que estava se encaminhando a sociedade em seu estado civil.
Tamanha é a capacidade de convencimento do filódofo que chegamos a imaginar como verdadeiros civilizados os indivíduos em estado de natureza e a imaginar os "civilizados" como os verdadeiros bárbaros, na busca incessante por estender seu poder e sua propriedade a qualquer preço.
O estado de natureza de Rousseau, diferentemente do descrito por John Locke, por exemplo, não supõe a maldade do homem e nem a guerra de todos contra todos. Para o autor, o estado de natureza era o estado da paz, da solidão. Nesse estado, o homem é bom e vive como qualquer outro animal: alimentando-se, reproduzindo-se, defendendo-se.
Através da maneira como rousseau controi seu discurso, o autor parece desenhar uma linha do tempo, que vai desde que o homem, pacífico e isolado, vive em busca de uma fêmea, de alimentos a fim de satisfazer suas necessidades, passando pelo estágio em que descobre que é capaz de articular sons e instrumentalizar objetos, descobre o fogo - pode reproduzi-lo e mantê-lo -, aprende a fazer abrigos, a viver em família, a organizar-se na agricultura, até chegar ao estágio que Rousseau afirma ter dado fim ao estado de naureza e início ao estado de sociedade civil: o estado de propriedade privada.
O pensamento e, principalmente, o sentimento de rousseau parece ser transferio a nós, leitores. Passamos a olhar com saudade este passado suposto pelo autor e sentimos que o que mais receia, de fato, é não conseguirmos mais parar o progresso (na concepção moderna da palavra), talvez, por isso, tenha utilizado a expressão "desejo de retrogradar".

Trabalho de Filisofia - Resenha: Discurso do Método, Rene Descartes

Trabalho realizado para cumprimento de tarefa da disciplina de Filosofia Geral - 3º bimestre, do 1º ano do curso de Direito da FURG
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Referência: DESCARTES, Rene. Discurso do método para bem dirigir a própria razão e buscar a verdade nas ciências. São Paulo: Martin Claret, 2000.

Resenha do Discurso do método, de Rene Descartes.

Viviane de Freitas Cunha

O bom senso, é das coisas do mundo, a mais bem dividida, pois cada qual acredita estar tão bem dotado dele que, mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa, não costumam desejar tê-lo mais do que já o têm.” (DESCARTES 2000, p.21)

Este discurso, conforme o titulo já faz referência, é o conhecimento de Descartes compartilhado conosco, no que tange à utilização do bom senso – ou boa razão. Nele, Descartes procurou, fundamentalmente, estabelecer uma maneira pela qual pudéssemos chegar a um conhecimento seguro. Esse modo é conhecido por dúvida metódica.
Logo no início da obra o leitor é advertido: pode dividir o discurso em seis partes, no caso de acha-lo longo demais. A presente resenha se refere às quatro primeiras partes do referido discurso. Na primeira, encontramos considerações sobre as ciências; na segunda, as regras do método; na terceira, regras da moral e, na quarta, razões para compreender a existência de Deus e da alma humana. Observemos cada uma dessas quatro partes.
A primeira parte inicia tratando do senso, como sinônimo de razão, mais especificamente do bom senso que cada indivíduo julga ter. Descartes diz que a certeza de ter um bom senso é muito forte, inclusive nos indivíduos mais insatisfeitos. Realmente, acreditamos saber discernir entre o falso e o verdadeiro, da mesma forma que cada um dos demais sujeitos.
Acreditamos que Descartes tenha iniciado seu discurso com essa explicação para introduzir o que viria a seguir: o propósito de seu método. Diz o autor: “[...] não é meu propósito ensinar aqui o método que cada indivíduo deveria seguir para bem conduzir a sua razão, mas apenas mostrar de que maneira procurei guiar a minha” (p.22). Assim, percebemos que Descartes não procura nos impor seu “senso”, sua razão, mas compartilha-la conosco para que, se a julgamos tão válida quanto o é para seu criador, façamos uso dela, afinal, conforme salienta no título, é um discurso para dirigir a razão e buscar a verdade.
Descartes afirma que o único “proveito” tirado das letras foi o de descobrir cada vez mais sua ignorância. Parece contraditório, a princípio, no entanto, não é. Se as instruções recebidas ao longo de toda a vida o fizeram perceber como eram abarrotadas de erros e dúvidas, então, perceber isso abriria uma nova passagem e esta o conduziria para um caminho mais próximo de verdades e mais distante dos erros. No entanto, conhecer o máximo de todas as ciências é conveniente, uma vez que examinar é o primeiro passo para conhecer o justo valor de cada um e não correr o risco de deixar-se enganar por elas.
Na segunda parte, Descartes nos apresenta seu método. A preocupação de Descartes era que pudéssemos chegar a um conhecimento garantido, livre de erros e falsidades, para tanto, recorreu ao método da dúvida. Duvidar de todas as coisas é o primeiro passo para não se deixar enganar por elas. Corremos grandes riscos de nos enganarmos se tomamos, de súbito, por verdadeiras todas as coisas que nos ensinam.
Esse método que, segundo o autor, é tomado da melhor parte da geometria e da álgebra e pode ser “aplicado tão utilmente às dificuldades das outras ciências, como fizera com as da álgebra” (p.33). O método consiste em quatro preceitos. O primeiro deles é evitar a precipitação, ou seja, não tomar por certas as coisas que não sejam evidentemente verdadeiras. Mais especificamente, só aceitar como verdadeiro as coisas as quais não haja menor possibilidade de duvidar.
O segundo preceito consistia em dividir as dificuldades. Essa técnica de decompor, que funciona tão bem na matemática, Descartes traz para o pensamento, ou mais certamente, para as dificuldades do pensamento em saber se algo é falso ou verdadeiro. Dessa forma, o problema pode deve ser repartido em tantas partes quanto possíveis para melhor resolvê-lo. O terceiro preceito – que parece estar intimamente relacionado com o segundo, uma vez que á mais fácil ordenar o que está dividido – consiste em pôr os pensamentos em uma ordem que vai desde o mais simples até o mais complexo.
Se optamos por duvidar, se decompusemos as dificuldades e se as ordenamos conforme o grau de complexidade, para chegar ao verdadeiro, só falta o quarto e último preceito: rever e enumerar para assegurar-se de não haver esquecido nada.
Segundo Descartes,

Estas longas cadeias de razões, simples e fáceis, das quais os geômetras costumam se servir para chegar às mais difíceis demonstrações, deram-me ocasião de imaginar que todas as coisas que podem penetrar na consciência dos homens seguem umas às outras da mesma maneira” (p.32)

Os preceitos parecem estar diretamente relacionados com o discurso do bom senso da primeira parte, visto que Descartes afirma que somos todos dotados igualmente de razão, no entanto, não chegamos às mesmas opiniões. Por que isso ocorre? A resposta do autor é que isso acontece porque não utilizamos um método adequado, e o mesmo método. Assim, está claro que, para o filósofo, a Razão possibilita o conhecimento. Por outro lado, descarta as possibilidades de haver qualquer conhecimento seguro a partir do sensível.
É importante destacar, ainda, que esse sistema de dúvida metódica não é empregado para simplesmente negar todas as coisas, mas para, justamente através da dúvida, chegar ao verdadeiro. Diz ele: “não imitava, para tanto, os céticos, que só duvidam por duvidar [...], todo meu intuito tendia a me certificar, a afastar a terra movediça e a areia para descobrir a rocha ou a argila” (p. 39)
Na terceira parte do discurso, o filósofo apresenta-nos sua moral provisória, a qual consiste em algumas máximas, resumidas a seguir:
Obedecer às leis e aos costumes de seu país, orientando-se pelas opiniões mais moderadas, que mais o afastassem do excesso, pois, como afirma: “todo excesso em geral é mau” (p.36); ser o mais firme em suas ações, e seguir as opiniões mais duvidosas com o mesmo afinco do que se fossem seguras; a terceira máxima se refere à crença no poder do pensamento, em procurar modificar antes os desejos do que a ordem do mundo, para que pudesse evitar o desejo num futuro inalcançável e, assim, sentir-se satisfeito. A quarta máxima consiste em julgar o melhor possível para fazer o melhor possível.
Por fim, a quarta parte do discurso contém o que não é mera proposição, mas certeza. Certeza essa que, segundo o autor, nem “era tão certa e tão firme que nem mesmo as mais extravagantes suposições dos céticos poderiam abalá-la” (p. 41). Esta é a verdade: cogito, ergo sum, e também o primeiro princípio da filosofia que Descartes buscava, uma vez que era a garantia da certeza de algo. Eu penso, logo, eu existo: não há qualquer questionamento que possa negá-lo, afinal, se podemos pensar, necessariamente existimos.
O Discurso do método é, sem dúvida, um expoente máximo da arte de Descartes. É, por que não dizer, um interesse compartilhado de valia moderna, que se manteve desde o período medieval. Recomendamos a obra a todos os amantes da Filosofia e dos bons textos, e garantimos que o leitor não sairá do texto sem, ao menos, uma certeza: a de que duvidar da verdade comum é também um caminho para encontrá-la plena.

25 de julho de 2011

DO ESTADO DE NATUREZA AO ESTADO DE SOCIEDADE CIVIL
Viviane de Freitas Cunha

INTRODUÇÃO
Este artigo tem por finalidade mostrar nosso entendimento a partir do que foi apresentado na cadeira de Ciência Política, Estado e Constituição com o Professor Alexandre Costi Pandolfo, no primeiro semestre de 2011. Este trabalho é resultado, portanto, da socialização das leituras do referido professor para conosco, enquanto seus alunos, iniciantes do curso de Direito.
A disciplina de Ciência Política, a nosso ver, tem por objetivo estudar e analisar as formas de organização política da sociedade, e como essas formas vêm se modificando através dos tempos. E, neste contexto, é imprescindível a aparição de conceitos como o de disciplina, poder, soberania, Estado, etc., bem como os seus contrários – ou a não existência desses conceitos.
Para atender à proposta de realizar este trabalho faz-se necessário que comecemos por tempos muito passados, tempo em que surgiram os primeiros teóricos a discursar sobre organização política e surgimento do Estado. Neste trabalho, traremos as teorias de dois grandes – dentre os muitos – estudiosos das formas de organização política da sociedade. São eles: Thomas Hobbes e Jacques Rousseau. Comecemos, então, pelo começo, pelo estado de natureza.

O ESTADO DE NATUREZA
Para iniciar o desenvolvimento do trabalho, é necessário que nos remontemos a um tempo anterior ao de sociedade civil, um tempo que os teóricos denominaram de estado de natureza, grosso modo, estado de indisciplina. Nesse estado, os indivíduos existem de maneira isolada, sem famílias, sem tribos ou cidades e, logicamente, sem leis e, portanto, em constantes guerras em favor da autodefesa.
A isso, Thomas Hobbes (escrevendo no século XVII) chamou de guerra de todos contra todos e afirmou que o homem seria o lobo do próprio homem. Dessa forma, o que podemos pensar que ocorria num lugar sem qualquer lei é uma verdadeira situação de barbárie (do ponto de vista moderno). Não há garantia de direitos, a única lei vigente é a do mais forte.
Por outro lado, o “mais forte” vive igualmente tão inseguro quanto qualquer outro homem “mais fraco”, uma vez que este pode usar de quaisquer meios para atingir aquele e, além disso, pode usar a inteligência – ou a esperteza – para superá-lo. Surgiram as armas, surgiram as cercas, com o objetivo de obter segurança e manter terras próprias. No entanto, enquanto não houvesse acordo entre os homens, cada um poderia tomar o que fosse do outro, usando sua força. Seria esta também uma forma de acordo? Isto é, a lei do mais forte também era legitimada?

O PACTO SOCIAL
Sabendo que cada homem possuía uma força e que essa força individual não poderia superar todas as outras (também individuais), seria inevitável pensar no poder que poderia alcançar uma força coletiva, uma vez que viver em constante ameaça já não era mais possível.
E o homem, sentindo esta ameaça e, principalmente, sentindo que a posse não é reconhecida, parece ver vantagem na união com seus semelhantes. A essa união, em prol da segurança, da paz e também da propriedade privada, os teóricos contratualistas chamam de pacto social. Sobre Hobbes, então, o importante é destacar que suas teorias mostram o homem compactuando em favor da autodefesa. Para este teórico, o medo da morte violenta impera.
Outro teórico a enunciar o estado de natureza, já no século XVIII, foi Jacques Rousseau. Da mesma maneira como aponta Hobbes, para Rousseau, o estado de natureza também é caracterizado pelo isolamento. O homem sobrevive da coleta e é bom por natureza. Este estado deixa de existir, segundo o autor, quando a primeira cerca é fincada e alguém diz que a terra é sua. Esta disputa pelo “meu” acaba sendo o berço da sociedade.
A teoria de Rousseau vai de encontro à de Hobbes, visto que este acreditava que, no seu estado natural, o homem vivia em permanente guerra com seu semelhante, ao passo que aquele acredita na paz. O estado de guerra constante viria a ocorrer, no entanto, mais tarde, com o surgimento das cercas sobre a terra.
Carnoy (1990) apud Rousseau explica:
O primeiro homem que, após cercar um pedaço de terra, se lembrou de dizer: isto é meu, e encontrou pessoas simples o bastante para acreditarem nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, quantas guerras, quantos assassinatos, quantas desgraças e horrores teria poupado para a espécie humana aquele que, arrancando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: guardai-vos de ouvir esse impostor; estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos da terra pertencem igualmente a todos nós, e de que a própria terra é de ninguém. (p. 31)

POLÍTICA E SOBERANIA
A partir do visto até aqui, parece-nos que os indivíduos dividiam-se em duas classes: os opressores (fortes) e os oprimidos (fracos). Para que essa condição cessasse, fazia-se necessário o uso de um poder legítimo e eficiente. Nasce o poder político e as leis.
Sabemos que os indivíduos conheciam a necessidade de leis, no entanto, quem as aplicaria? Os teóricos explicam: quando os homens celebram o contrato social significa que eles aceitam renunciar a sua liberdade natural e as suas armas e, logicamente, aceitam transferir seus direitos a uma autoridade política. Por fim, o pacto social faz nascer a soberania.
[...] há uma tensão entre preservar a liberdade vantajosa do estado de natureza e o medo da violência e da guerra, que logicamente esse estado produz. Isso leva à renúncia do indivíduo em favor de um soberano [...]. Esse soberano (um indivíduo ou grupo de homens) reduziria todos os súditos à impotência. (Carnoy, 1990, p. 26)
Se o povo transfere seus direitos naturais a essa autoridade política, de acordo com a vontade geral, é correto afirmarmos que o poder político instalado é legitimado e a consequência disso é a eficácia do pacto. A questão que surge em seguida é: O soberano tem poder sobre o povo ou o soberano só tem o poder que lhe confere o povo?
Poderia a multidão de indivíduos, um tempo após compactuar, desistir do pacto e exigir novamente sua condição natural, ignorar as leis, destituir o soberano e exigir que nenhum outro ocupasse tal lugar? Ainda que seja difícil imaginar que isso viesse a acontecer, é uma questão que poderia ajudar a responder a anterior.


O ESTADO
Para Hobbes, o Estado formou-se com essa renúncia de direitos naturais, ou seja, com a renúncia do poder individual e com o objetivo primeiro de alcançar a paz civil. Os estudos de Hobbes o levaram a acreditar que cada indivíduo era impotente contra o soberano, uma vez que o soberano, Leviatã, era formado pelo todo da sociedade compactuante, o indivíduo não tinha poder, mas a coletividade sim.
Por outro lado, Rousseau via o Estado como uma criação dos poderosos, cujos objetivos eram os de garantir a ordem, defender seus interesses e, através de direitos legítimos, explorar os mais pobres.
[...] ‘Vamos nos unir’, disse-lhes o rico, ‘para proteger o fraco da opressão, refrear os ambiciosos, e garantir a todo homem a posse do que lhe pertence’... Alegremente todos ofereceram seus pescoços ao jugo, pensando que estavam protegendo sua liberdade; embora tivessem inteligência suficiente para perceber as vantagens de uma constituição política, não tinham experiência suficiente para ver de antemão os perigos disso. Aqueles dentre eles que estavam mais bem qualificados para prever os abusos eram exatamente os que esperavam beneficiar-se dele. (Carnoy, 1990 apud Rousseau. P. 32)
Com o Estado (da concepção rousseauniana) instalado e com as leis dos ricos vigorando fica evidente que ele só nasceu com uma prioridade: assegurar a posição da classe dominante.
Os teóricos contratualistas concordam em dizer que o indivíduo que não compactua é considerado um ser marginal, é excluído e por que não dizer, é um bárbaro. Se o objetivo da criação do Estado político é garantir a ordem, quer tenha ou não sido o conceito de ordem algo criado ou definido pelos próprios poderosos, é justo que sejamos levados a pensar que, por exemplo, a manutenção da ordem seja refrear os mais pobres para que não tentem buscar seus direitos, especialmente se pensamos em propriedade privada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante esclarecer que, neste trabalho, não cabem conclusões. Não cabe, igualmente, dizer opiniões. O que cabe é apresentar as teorias dos estudiosos, ver suas linhas de estudo, a maneira diferente de observar o mesmo objeto como, por exemplo, o homem ser bom ou mau por natureza ou ainda, se o Estado surgiu para garantir a paz entre os homens ou simplesmente para proteger a propriedade privada.
Temos que a concordata que uniu a multidão de indivíduos através da troca dos direitos naturais pelos direitos civis foi chamada de pacto, de contrato, no entanto, é importante deixar claro que estes termos são convenções, imaginamos que porque envolva aceitação das partes, como no contrato tal como conhecemos atualmente. Se o pacto foi eficiente? Poderíamos arriscar afirmar que sim, se pensarmos que o objetivo a ser alcançado pelos indivíduos era a proteção. No entanto, quanto a afirmar que todos foram protegidos da mesma forma, já não arriscamos.
Enquanto estudantes recentemente iniciados no estudo do Direito, acreditamos que este estudo é imprescindível, no que se refere a importância de conhecer as primeiras formas de organização política da sociedade, o que levou a criação das leis e dos direitos, no momento em que se faziam necessários pela primeira vez.

REFERÊNCIAS
CARNOY, Martin. Estado e teoria política. Capítulo 1 – O Estado e o pensamento político norte americano. – 3. ed. – Campinas, SP: Papirus, 1990. p. 21-61
O contrato social, em http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf, formato eBook, acesso em 14/07/2011.

3 de julho de 2011

Trabalho de filosofia

A SENSATEZ DE ARISTÓTELES:
SOBRE A FELICIDADE E A AMIZADE

“[...] Entretanto, em qualquer lugar,
reduzidos a nós mesmos,
nós é que fazemos ou
encontramos a própria felicidade.”
 (Oliver Godsmith)

Para que falemos dos conceitos de amizade e felicidade do filósofo grego, é imprescindível que recorramos a sua obra Ética a Nicomaco. Nesta obra – que é composta de dez livros – o autor fala das ciências, da política, do prazer, etc., e também do motivo de ser deste texto: amizade e felicidade.
Antes de entrarmos na obra de Aristóteles propriamente dita, é pertinente trazermos para esta conversa um texto de Schopenhauer, intitulado Aforismos para a sabedoria na vida, mais especificamente, os dois primeiros capítulos, nos quais o autor fala sobre o livro Ética a Nicômaco, no que se refere à divisão dos bens humanos em exteriores, da alma e do corpo. Schopenhauer reduz essas três classes ao que ele chama de “três determinantes básicas”: aquilo que se é; aquilo que se tem; e aquilo que se representa.
Diz Schopenhauer que a felicidade depende unicamente daquilo que se é e, o mais interessante e carregado de sentido: se não nos sentimos felizes com o que somos, acreditamos que poderemos alcançar a felicidade com o que temos (riqueza) ou com o que representamos (posição ou status), aí residiria o fato de os abastados serem, muitas vezes, mais infelizes que os que quase nada de material têm ou que aqueles que têm uma posição desejada, mas que não lhes satisfaz enquanto humanos.
De acordo com Schopenhauer,
Para a nossa felicidade na vida, aquilo que somos,
 isto é, a nossa personalidade, é o fator primordial
e básico, já por ser constante e operar em todas as
 circunstâncias, já porque não estando sujeita ao destino,
como os outros dois títulos (o que se tem e o que se
 representa), não nos pode ser arrebatada.” (p. 26)

Como podemos observar, a sabedoria deste autor não é partilhada por todos, uma vez que sempre haverá aqueles que, buscando a felicidade perene, limitam-se a juntar riquezas, e acabam – no fim da vida – a questionar-se por que, tendo de tudo, não foram felizes. Passaram a vida, a cometer todo tipo de excessos, e a encontrar a falsa felicidade, aquela momentânea que não adveio do caráter ou da personalidade, mas do desespero por senti-la, ainda que de maneira efêmera.
Stefan Klein, em A fórmula da felicidade também cita Aristóteles: “Felicidade é consequência de uma atitude". Se usarmos nosso potencial da melhor maneira que nos seja possível, o resultado será a felicidade. Para Klein, a infelicidade não precisa de estímulo, ela simplesmente aparece, sem convite. Por outro lado, a felicidade é como um amor, precisa ser conquistada. Não adianta somente pensar nela, deve-se correr atrás e mostrar o seu melhor para alcança-la. Os gramáticos poderiam passar horas pensando no fato de um simples prefixo mudar tudo...

A MÁSCARA DA (IN)FELICIDADE
Não raro encontramos pessoas a invejar a felicidade aparente de outras. A inveja (ou a invejosa) parece pensar que a felicidade escolheu todos em volta dela, excluindo-a. Mas a inveja não percebe que ela própria é o contrário da felicidade, ela é o amargo. O ividioso é capaz de invejar até mesmo o menos afortunado que ele, simplesmente porque o que ele é não lhe basta, poderia ser feliz somente se tivesse o que é do outro ou, ainda, se o outro não tivesse o que ele também não tem.
No entanto, a inveja é traiçoeira até mesmo com quem a sente, pois, ao alcançar o que era do outro, a felicidade dará um passo maior, se distanciando ainda mais. Mais uma vez, temos que admitir que Aristóteles está certo: Se o que somos não nos basta para sermos felizes, tampouco nos bastará o que tivermos ou o que representarmos para os outros.
Discutamos usando como base a frase “os fins justificam os meios”. Para a felicidade, por exemplo, isso não se aplica. Justamente porque a felicidade também depende dos meios e, para o Estagirita, se estes não forem virtuosos, o fim (a felicidade) não chegará.

A AMIZADE E A FELICIDADE
Porque sem amigos, ninguém escolheria viver,
 ainda que possuísse todos os outros bens.”
 (Artistóteles)

Primeiramente, vimos que a felicidade depende unicamente daquilo que se é. E a amizade, de que depende? Ao falar de amizade, em Ética a Nicómaco, Aristóteles primeiro traz opiniões de outros filósofos gregos, a fim de discutir se a amizade se dá entre os semelhantes ou entre os diferentes. No L. VIII, cap.2, o autor questiona se “os homens amam, então, o que é bom em si ou o que é bom para eles?”
Em Ética a Nicómaco, Aristóteles diferencia a amizade em três tipos: a que se baseia na utilidade mútua (em virtude do que recebem um do outro), a que se baseia no prazer mútuo e a amizade entre homens bons de virtude. Às primeira duas o filósofo chama de curtas, uma vez que, quando a amizade deixa de ser útil ou prazerosa para uma das partes, acaba. No entanto, a terceira é a amizade duradoura, perfeita, trás benefícios, mas é difícil de encontrar.
Respondendo a questão proposta, poder-se-ia dizer que os homens que amam o que é bom em si têm amizades baseadas na virtude e os que amam o que é bom para si têm amizades baseadas na utilidade ou no prazer e, neste caso, e somente neste, poderia haver amizades entre os maus.
Antes de classificar a amizade, o filósofo fala de amor e benevolência. A benevolência seria o sentimento de amizade unilateral. A amizade propriamente dita, segundo Aristóteles, presume a reciprocidade. Não há como ter um amigo sem igualmente ser amigo. Por outro lado, o amor pode perfeitamente (mas não felizmente) ser unilateral, uma vez que se pode amar coisas ou pessoas sem que dependa do sentimento recíproco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode ser que, quando digamos a alguém que necessitamos fazer um trabalho acadêmico no qual tenhamos que discorrer sobre felicidade e amizade, as pessoas pensem tratar-se de algo fácil. Mas que se ponham diante do papel e comecem. As reticências se espalham pelo ar e começamos a questionar sobre a própria felicidade, afinal, não se pode escrever sobre aquilo que não se tem certeza de ser (ou de não ser).
Presumi, num primeiro momento, que os que disseram ser fácil escrever sobre felicidade fossem felizes, ao passo que só precisariam descrever o que sentiam. Mas uma reflexão mais profunda fez-me pensar se estes que a jugam “fácil” não seriam justamente os que Aristóteles diz que valorizam o exterior mais que o interior, ou seja, os que acreditam que a felicidade consista e ter coisas ou representar algo, antes de ser alguém virtuoso. Porque só assim falar de felicidade seja fácil.
A obra Ética a Nicômaco, especialmente os livros VIII e IX, não se baseia em pesadas teorias, bem como não é uma leitura pesada, ao contrário, parece ter nascido da simples observação da conduta humana, da moral, de tudo o que rodeia um indivíduo e suas paixões. Mas observar a conduta humana não serviria para muito se o observador fosse desprovido der sensibilidade.
O que Aristóteles faz é discursar sobre o subjetivo de maneira objetiva. Não expressando sua opinião como um imperativo, mas como algo que é o bem maior, porque aquilo que provém das virtudes só pode ser superior àquilo que vem do prazer ou da utilidade. Ao passo que a felicidade consiste, segundo Aristóteles, em uma atividade virtuosa, a amizade verdadeira consiste em uma relação entre homens virtuosos.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: Leonel Vallandro e Ger Bornheim. São Paulo: Abril, 1979.
KLEIN, Stefan. A fórmula da felicidade. Tradução: Kristina Michahelles. – Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria da vida. Tradução: Genésio de Almeida Moura. 3º ed. ?. Melhoramentos, ?.